Lula defende tributação internacional em NY; especialistas apontam dificuldades
Durante a abertura da reunião ministerial do G20 em Nova York, o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), criticou o sistema financeiro internacional e a desigualdade que sua estrutura promove entre os países mais ricos e os em desenvolvimento.
“Países em desenvolvimento enfrentam custos e dificuldades desproporcionais na obtenção de financiamento em comparação com os países ricos. As taxas de juros impostas a países do Sul Global são muito mais altas que as aplicadas às nações desenvolvidas”, indagou Lula nesta quarta-feira (25).
Dado indicado pelo presidente aponta que, em 2022, a diferença entre o valor que o mundo em desenvolvimento pagou a credores externos e o que recebeu foi de US$ 49 bilhões, ou seja, haveria mais dinheiro saindo do que entrando nos cofres desses países.
“O endividamento, que afeta severamente alguns países em desenvolvimento, estrangula o investimento em infraestrutura, bem-estar e sustentabilidade”, enfatizou Lula, que apontou como solução para o problema de financiamento dos países mais pobres a taxação internacional dos super-ricos.
“A taxação de super-ricos é uma forma de combater a desigualdade e direcionar recursos à prioridade de desenvolvimento e ação climática.”
Antes, em discurso na Assembleia Geral das Nações Unidas, Lula já havia tocado na questão do imposto global sobre os super-ricos.
Ao falar com os demais líderes globais, o brasileiro apontou que a fortuna das cinco pessoas mais ricas do mundo mais que dobrou desde o início da década, enquanto 60% da humanidade ficou mais pobre.
“Os super-ricos pagam proporcionalmente muito menos impostos do que a classe trabalhadora. Para corrigir essa anomalia, o Brasil tem insistido na cooperação internacional para desenvolver padrões mínimos de tributação global”, pontuou Lula na sede das Nações Unidas, em Nova York nesta terça-feira (24).
Discute-se um sistema de tributação internacional para que esses recursos possam ser revertidos em financiamento para o combate às desigualdades, à fome e até às mudanças climáticas.
Especialistas ouvidos pela CNN reforçam que o debate é de suma relevância.
“Uma maior cooperação internacional para a taxação de empresas multinacionais e indivíduos super-ricos é, sem dúvida, um elemento central para a redução de desigualdades e financiamento da transição energética, dois dos principais desafios nos próximos”, afirma Guilherme Klein, professor do Departamento de Economia da Universidade de Leeds, no Reino Unido, e pesquisador do Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades (Made-USP).
Porém, aponta-se também que é um debate delicado. O principal apontamento é que é difícil reunir apoio político e prático ao redor dessas propostas.
Um do principal economistas da atualidade, Barry Eichengreen acredita que “um imposto global sobre a riqueza é uma ilusão”.
“Isso não acontecerá, por uma combinação de razões práticas e políticas”, afirma à CNN o professor de economia e ciência política da Universidade da Califórnia.
William Daldegan, professor do curso de Relações Internacionais e coordenador do grupo de pesquisa “Economia, Política e Desenvolvimento Internacional” da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), aponta que esta é uma questão que envolve diferentes legislações domésticas e, portanto, interfere na soberania dos países e dos interesses de grupos poderosos.
Thiago de Aragão, CEO da Arko Internacional, empresa de estratégia empresarial e institucional sediada nos Estados Unidos, complementa a linha de raciocínio.
“A viabilidade prática dessa proposta enfrenta obstáculos significativos. A implementação eficaz de uma taxação internacional requer um alto grau de coordenação e consenso entre países com interesses econômicos diversos. Há também o risco de que instituições financeiras migrem para jurisdições com regulamentações mais brandas, evitando a taxação e diminuindo a eficácia da medida”, afirma Aragão.
A proposta de taxação de super-ricos do economista francês Gabriel Zucman — encomendada pela presidência brasileira do G20 — prevê imposto mínimo de 2% sobre a fortuna de bilionários (um total de 3 mil pessoas mundo afora) em dólares, o que geraria arrecadação anual de US$ 250 bilhões.
“Apesar do potencial teórico, a efetividade dessa taxação depende da cooperação global e da criação de mecanismos robustos para garantir o cumprimento e a fiscalização das normas estabelecidas”, conclui o CEO da Arko.
Mas, mesmo que a proposta defendida pelo Brasil no âmbito do G20 tenha enfrentado resistências importantes, como por parte dos EUA, Daldegan acredita na evolução das discussões.
“O importante é que essa é uma pauta em amplo debate e que, creio, permanecerá relevante pelos próximos anos até que seja consensuado algum acordo”, indaga o professor da UFPel.
Guilherme Klein também aponta que, apesar de parecer utópica, a discussão dá sinais de que pode acabar saindo do papel.
“Em 2021, mais de 140 nações concordaram em cobrar um imposto mínimo de 15% sobre grandes companhias multinacionais. E a proposta do Brasil no G20 já conta com diversos países importantes, como França, Alemanha, e África do Sul”, conclui o professor da Universidade de Leeds.
Em julho, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, um dos principais patrocinadores da proposta, defendeu que o Brasil está ousando na presidência do G20, tendo sido capaz de superar o ceticismo sobre taxação de super-ricos.
Apesar de questionar a viabilidade do imposto sobre a riqueza, Eichengreen aponta outros caminhos possíveis para uma tributação internacional factível.
“Os apelos à tributação internacional devem ser específicos sobre o tipo de imposto de que estão a falar. Um imposto global sobre o carbono, por outro lado, seria mais prático de administrar e deve receber o apoio de todos os países que são sensíveis ao perigo de um alerta global”, sugere.
Porém, mesmo por esse caminho, ele aponta uma complicação.
“Quanto mais os países do Sul Global procurarem a garantia de que as receitas serão destinadas às suas necessidades de desenvolvimento, menor será a probabilidade de os países avançados aderirem a esse imposto – e piores serão as implicações para o aquecimento global”, conclui.
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