Trump e Brics: entenda ameaça de tarifar em 100% países do bloco caso substituam dólar
O presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, ameaçou neste sábado (30) aplicar tarifas de 100% sobre os países membros do Brics, caso não se comprometam a abandonar planos de criar uma nova moeda ou apoiar outra substituta do dólar.
Trump ainda reforçou a impossibilidade de substituição do dólar americano e disse que os países que tentarem devem se despedir dos EUA.
“Exigimos que esses países se comprometam a não criar uma nova moeda do Brics nem apoiar qualquer outra moeda que substitua o poderoso dólar americano, caso contrário, eles sofrerão 100% de tarifas e deverão dizer adeus às vendas para a maravilhosa economia norte-americana”, escreveu Trump em sua plataforma de mídia social, a Truth Social.
“Eles podem procurar outro ‘otário’. Não há nenhuma chance dos Brics substituírem o dólar americano no comércio internacional, e qualquer país que tentar deve dizer adeus aos Estados Unidos”, acrescentou o republicano.
Desde janeiro deste ano, o grupo Brics tem dez membros plenos. Além de Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, se uniram ao bloco como membros permanentes Irã, Arábia Saudita, Egito, Etiópia e Emirados Árabes Unidos.
Entenda propostas de desdolarização pelo Brics
A chamada desdolarização é uma das propostas do grupo de países emergentes. Autoridades que representam seus membros avaliam que a padronização do uso da moeda norte-americana faz com que os EUA se imponha em negócios internacionais, mesmo que não estejam envolvidos diretamente.
A presidente do Novo Banco de Desenvolvimento, Dilma Rousseff, criticou o que ela classificou de “uso do dólar como arma”, durante a Cúpula do Brics, realizada este ano em Kazan, na Rússia.
Desde o último encontro entre as lideranças do bloco, o Brics conta com dez países fixos e outros 13 associados. O Produto Interno Bruto (PIB) dos membros plenos representa hoje 31,5% de todas as riquezas produzidas no mundo. Além disso, abrigam 45,2% da população mundial.
Robson Gonçalves, economista da Fundação Getulio Vargas (FGV), relembra da experiência dos países europeus na consolidação da União Europeia (UE). Quando países como Portugal, Itália, Grécia e Espanha enfrentaram um período de recessão, o que se concluiu, principalmente da crise grega, é que era necessária uma ferramenta de financiamento local que não dependesse dos EUA ou do dólar.
“Eram necessárias regras comerciais para um mercado comum. Apesar dos trancos e barrancos, a experiência da União Europeia é bem sucedida”, avalia Gonçalves, que ressalta que o caminho paralelo não significa acabar em rivalidade.
“[O Brics] pode se consolidar como alternativa. Mas por que não copiar lições da União Europeia para o Sul Global? A Europa não polariza, está alinhada. O que se deveria pensar é que, do ponto de vista econômico, uma moeda alternativa, um fundo alternativo é uma iniciativa que pode unir interesses comuns, independente da polarização com os Estados Unidos. Ninguém teria nada a ganhar com isso”, conclui.
A governança do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional (FMI) também é uma das principais críticas dos países membros dos Brics: enquanto o primeiro foca dar assistência e aconselhamento em políticas, o segundo fornece assistência financeira a países com desequilíbrios temporários.
Roberto Dumas, professor de economia chinesa do Insper, reforça a relevância econômica do grupo, mas indica que tem sua voz diminuída pelo regimento dessas instituições.
Eles então teriam percebido que podem estabelecer uma nova governança alternativa para as decisões tomada por esses órgãos — formados na octogenária Convenção de Bretton Woods —, aponta Dumas.
“Esses países dizem: ‘eu ocupo uma grande parte do mundo, mas os Estados Unidos ainda dominam. Eles eventualmente não vão nos permitir tomar decisões, então formemos o nosso banco’. Desse modo, o sistema financeiro vai caminhando para se tornar multipolarizado”, diz o professor do Insper.
“São países que não tem o poder de ditar ali, mas reconhecem sua relevância política e econômica, e querem ter o poder da palavra. Quem não tem poder nas instituições de Bretton Woods, busca uma nova ordem econômica. O objetivo não é destruir a existente, mas complementar. E o Brasil busca fazer parte de uma inevitável governança alternativa”, conclui Dumas.
Reforma do sistema financeiro
Além de ter seu próprio banco – o Novo Banco de Desenvolvimento (NBD), que visa financiar seus parceiros –, o Brics debate outras alternativas aos parâmetros estabelecidos desde 1944.
Em meio ao cenário de devastação ocasionado pela Segunda Guerra Mundial e à ressaca da Crise de 1929, economistas de 44 países se reuniram em Bretton Woods, New Hampshire, nos Estados Unidos, para redesenhar o formato do sistema financeiro internacional.
Os acordos definiram um sistema de taxas de câmbio fixas, no qual as moedas dos países eram atreladas ao dólar norte-americano, que por sua vez era lastreado em ouro.
O chamado padrão dólar-ouro se manteve em vigor até 1971, quando foi derrubado pelo então presidente dos EUA Richard Nixon, para proteger a moeda diante da demanda mundial pelo mineral precioso. Mas, até hoje, ambos os valores são usados como referência no mercado.
O objetivo do NBD é exatamente viabilizar financiamentos reduzindo a dependência do dólar e das instituições de Bretton Woods. Durante a Cúpula, a presidente do Banco dos Brics, Dilma Rousseff, criticou o “uso do dólar como arma”. Sua avaliação é que os EUA se beneficiariam da soberania do uso da divisa nas transações internacionais para barrar o crescimento de economias emergentes.
Não obstante, uma das agendas do Brics é a adoção de alternativas ao dólar em seus negócios, além da eventual consolidação de uma moeda própria do grupo. Contudo, de acordo com o presidente da Rússia, Vladimir Putin, o projeto ainda é muito incipiente.
Ainda assim, Moscou defende a criação de um sistema de pagamento para o Brics alternativo ao Swift – ferramenta padrão para transações internacionais –, o que permitiria o país negociar com seus parceiros, driblando as sanções impostas por países ocidentais após invasão da Ucrânia, em fevereiro de 2022.
“Depois que caiu o Muro de Berlim, o mundo acabou ficando multipolarizado. Então, você tem grupos de países que se organizam em torno de interesses comuns”, pontua Robson Gonçalves, economista da Fundação Getúlio Vargas (FGV).
Gonçalves reforça que ao se reunir com outros países de interesses comuns, o Brasil se fortalece.
Do seu ponto de vista, a prioridade de integração para o Estado brasileiro deveria ser com o Mercosul. Porém, tendo em vista principalmente o andamento do acordo de livre comércio com a União Europeia (UE), o bloco “enfrenta problemas graves de descompasso”.
“O Mercosul é uma promessa não cumprida. Sendo assim, esse [o Brics] é um melhor caminho de se ganhar voz no meio internacional”, afirma o economista.
Brasil no Brics
Desde o início da articulação do Brics, o grupo se tornou o principal fórum de projeção de poder em que o Brasil tem papel e voz ativa, defende William Daldegan.
“O país tem conseguido instrumentalizar os princípios de pacifismo, universalismo e de defesa do multilateralismo, tão caros à sua política externa, de maneira pragmática ao longo do tempo. Ganha pelo estreitamento político e econômico com os outros parceiros, ganha pela projeção de poder ao lado de China e Índia, ganha no processo de barganha em outros fóruns multilaterais”, explica o professor da UFPel.
Apesar de haver quem critique a aproximação com o bloco, Roberto Dumas é claro e direto: “é melhor estar lá para dar sua opinião do que ficar fora e não ter poder de decisão”.
Além dos países já convidados para o Brics, Dumas reforça que há outros emergentes que se interessam em participar dessa nova governança. Uma vez inevitável, do seu ponto de vista, ele indica que não é “nenhum absurdo” a vontade das nações de estarem envolvidas.
“O Brasil entrou no acrônimo como um participe que gozava de semelhanças macroeconômicas. Elas não existem mais, mas ainda assim o país ficou. Isso porque é melhor estar em um grupo, apesar de não concordar em tudo, para tomar decisões e poder influenciar nas decisões de governança, do que ficar completamente à parte”, conclui o professor do Insper.
Cúpula do Brics
A ideia por trás do grupo nasceu em 2001. Originalmente “BRIC”, o termo criado pelo então economista-chefe do Goldman Sachs, Jim O’Neill, se referia ao Brasil, Rússia, Índia e China, países que segundo ele puxariam o crescimento econômico do mundo até 2050.
A reunião, mais informal num primeiro momento, foi se estruturando e amadurecendo com o passar do tempo, crescendo em torno de interesses geopolíticos e econômicos comuns de seus integrantes.
Além dos quatro países já mencionados, o grupo conta com África do Sul, Irã, Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Egito e Etiópia.
A Cúpula deste ano, realizada em outubro, estabeleceu uma nova definição: os Estados Parceiros do Brics.
Foram convidados para a nova cadeira Turquia, Indonésia, Argélia, Belarus, Cuba, Bolívia, Malásia, Uzbequistão, Cazaquistão, Tailândia, Vietnã, Nigéria e Uganda.
O que surgiu como um grupo econômico, na avaliação de Dumas vem se consolidando como um bloco “anti-Ocidente”.
Seja ou não, fato é que o grupo busca consolidar essa nova governança financeira.
“O Brics é, atualmente, o principal agrupamento de países ‘não membros do G-7’. Sua importância se deve tanto ao aspecto geográfico, por reunir países do Sul e de todos os continentes, quanto econômico, por reunir as principais economias em desenvolvimento. Com viés marcadamente diverso e inclusivo – o que se reforça com o recente ímpeto de expansão”, afirma William Daldegan, professor do curso de Relações Internacionais da Universidade Federal de Pelotas (UFPel).
“Sua relevância parte das razões levantadas pelo economista O`Neill, no início dos anos 2000, que foram matizadas com o crescimento especialmente de China e Índia.”
Lula sobre moeda alternativa ao dólar
O presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva defendeu em outubro, durante reunião de cúpula dos países do Brics em Kazan, na Rússia, que o bloco de países emergentes avance na criação de meios de pagamento alternativos entre si, fugindo da necessidade de uso do dólar.
O desenvolvimento de um mecanismo de compensação de pagamentos em moedas locais é uma das prioridades do Brasil no Brics, que quer ver o bloco menos dependente do uso do dólar nas suas transações internas.
O Brasil assume a presidência do bloco a partir de 2025 e tem a intenção de acelerar essa proposta, e também ampliar a atuação do Novo Banco de Desenvolvimento, o banco do Brics, atualmente presidido pela ex-presidente Dilma Rousseff.
Tarifas de Trump devem elevar juros dos EUA
A promessa do presidente eleito Donald Trump de impor tarifas rígidas contra os três maiores parceiros comerciais dos Estados Unidos deve elevar os preços, o que prepararia o cenário para o Federal Reserve parar de cortar as taxas de juros e possivelmente aumentá-las.
O presidente do Fed, Jerome Powell, disse em um discurso recente em Dallas que ainda é muito cedo para considerar como os planos tarifários de Trump afetariam a economia dos EUA.
A retórica da campanha é uma coisa, mas a política promulgada é outra. Trump, no entanto, diz que não vai perder tempo, ameaçando na semana passada aplicar tarifas de 25% sobre o México e o Canadá e uma taxa adicional de 10% sobre produtos chineses no primeiro dia de seu segundo mandato em 20 de janeiro.
As tarifas de Trump quase certamente aumentariam os preços de produtos importados como abacates, carros e tequila . Isso afetaria cerca de US$ 1,5 trilhão em produtos que fluem pela América do Norte, de acordo com uma estimativa do Fundo Monetário Internacional.
Wall Street já demonstrou alguma preocupação com a possibilidade de a inflação reacender sob um segundo mandato de Trump, com os rendimentos dos títulos subindo rapidamente antes do dia da eleição e nas semanas seguintes.
O lado positivo é que, como a inflação persistentemente alta, induzida por tarifas pesadas, impediria o Fed de reduzir os custos dos empréstimos, os investimentos em dinheiro e títulos também poderiam manter parte de seu brilho por um pouco mais de tempo.
(*Com informações de Gisele Farias e João Nakamura)
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